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1 May 2006 Comportamento Potencialmente Reprodutivo da Preguiça-comum, Bradypus variegatus (Xenarthra, Bradypodidae): Observações de Campo
Paula Lara-Ruiz, Ana Carolina Srbek-Araujo
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As preguiças (Família Bradypodidae e Megalonychidae) são consideradas animais solitários, cuja interação social se restringe à associação mãe-filhote que ocorre durante os primeiros meses de vida dos infantes (Queiroz, 1995; Chiarello et al., 2004; Lara-Ruiz e Chiarello, 2005). Para o gênero Bradypus, relatos de outras interações decorrentes de observações na natureza se restringem ao registro de comportamento agonístico entre dois indivíduos adultos (Beebe, 1926) e observações de campo de animais compartilhando uma mesma árvore durante atividades de alimentação e repouso (dados não publicados, P. Lara-Ruiz).

A presente comunicação relata observações associadas ao comportamento reprodutivo de Bradypus variegatus, realizadas em uma área de preservação (ca. 350 hectares) de propriedade da Empresa Aracruz Celulose, localizada no Município de Sooretama no Espírito Santo, Brasil. (Essa área é uma Reserva Legal; Lei 7.803, de 18 de julho de 1989.) Ressalta-se que relatos de comportamento reprodutivo do gênero Bradypus na natureza são ausentes na literatura científica.

Em setembro de 2005 foi visto um indivíduo adulto com padrão de pelagem característico de macho: a porção intraescapular com pelagem alaranjada interrompida por linha mediana irregular enegrecida, composta por pêlos de menor comprimento (Beebe, 1926). O espécime estava atravessando uma das estradas internas à área de preservação, deslocando-se da margem direita para a esquerda do fragmento (08:20 hrs). O indivíduo foi capturado para coleta de material destinado a análises genéticas e, durante manipulação, foi detectada a vocalização de um segundo indivíduo em área próxima (08:45 hrs). Com base em experiências anteriores, a vocalização foi reconhecida como pertencente a um indivíduo do gênero Bradypus. De acordo com observações de espécimes de Bradypus torquatus em semi-cativeiro, fêmeas em período reprodutivo (“cio”) emitem vocalizações que atraem machos (comunicação pessoal, V. L. de Oliveira). Considerando que a vocalização ouvida pudesse estar relacionada a um comportamento reprodutivo, o macho capturado foi solto (08:55 hrs) e seu deslocamento foi monitorado. O espécime se deslocou poucos metros para o interior do fragmento, onde permaneceu até a detecção de uma segunda vocalização (09:40 hrs), depois da qual reiniciou o deslocamento (ca. 10 m em linha reta em direção ao local de origem da vocalização). Após este deslocamento o espécime permaneceu no mesmo local, em comportamento de procura, que foi caracterizado pela realização de movimentos repetitivos da cabeça e farejamento.

Durante o acompanhamento do macho foi detectado um segundo indivíduo (10:05 hrs), em árvore a aproximadamente 10 m do ponto de observação, identificada como o local de origem das vocalizações. O segundo indivíduo não apresentava coloração alaranjada no dorso, coincidindo com a descrição das fêmeas de Bradypus variegatus (Beebe, 1926; Eisenberg e Redford, 1999). Este animal também foi acompanhado. Durante o período de observações o segundo espécime realizou atividades de deslocamento (curtas distâncias, permanecendo na mesma árvore ou vizinhas), repouso e alimentação. Ressalta-se que a fêmea apresentava porte maior em comparação com o macho, coincidindo com o dimorfismo sexual em tamanho registrado para o gênero (Lara-Ruiz e Chiarello, 2005). No decorrer das quatro horas seguintes de monitoramento simultâneo dos dois espécimes, não foram observados comportamentos de deslocamento, repouso ou alimentação realizadas pelo macho, não tendo sido também registrados outros eventos de vocalização do espécime considerado fêmea.

No dia seguinte (09:25 hrs), os dois indivíduos foram encontrados na mesma área, estando o macho em árvore localizada na margem direita da estrada, e a fêmea na mesma árvore de registro no dia anterior. Os espécimes se encontravam a uma distância de aproximadamente 15 metros em linha reta. No terceiro dia de observações (14:30 hrs), os dois indivíduos foram detectados compartilhando a mesma árvore durante atividades de alimentação (local de registro da fêmea no primeiro e segundo dias). Este fato contesta a suposição de que o deslocamento do macho para a margem direita da estrada, realizado no dia anterior, pudesse indicar seu afastamento da área. Outras observações foram obtidas no dia seguinte (12:06 hrs), destacando que o macho foi novamente registrado na margem direita da estrada, estando a fêmea na mesma árvore dos registros anteriores. Os espécimes se encontravam a uma distância de aproximadamente 20 metros em linha reta.

Semelhanças detectadas no padrão de coloração dorsal do macho observado ao longo dos quatro dias (Fig. 1) suportam a consideração de que os registros efetuados estão atribuídos a um mesmo indivíduo. Padrões individuais de coloração da mancha intraescapular para machos adultos de Bradypus variegatus foram relatados por Beebe (1926) e Goffart (1971).

FIGURA 1.

Padrão de pelagem e coloração da fêmea (A) e macho (B) adultos de Bradypus variegatus, destacando a semelhança no padrão de coloração dorsal do macho observado em dias consecutivos (B a D), suportando a consideração de que os registros efetuados estejam relacionados a um mesmo indivíduo.

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Caso seja confirmada a utilização de sinais vocais por fêmeas de Bradypus variegatus na atração dos machos, conforme observado para Bradypus torquatus em semi-cativeiro, as observações descritas acima estariam relacionadas ao comportamento reprodutivo da espécie, constituindo o primeiro registro deste comportamento na natureza. Neste caso, as observações realizadas indicariam que as interações sociais ocorridas durante o período de reprodução destes animais não são restritas ao momento da cópula, estando associadas a um maior período de contato machofêmea durante o qual os animais permanecem na mesma área, chegando a compartilhar a arvore de repouso e alimentação. As interações observadas durante o período relatado indicam que estes animais geralmente solitários podem apresentar períodos de interações sociais de vários dias de duração. O fato é mais relevante ainda considerando que existem poucas observações de interações entre indivíduos adultos na natureza, sendo que estas normalmente são efetuadas em regiões com densidades populacionais excessivamente altas, relacionadas com restrita disponibilidade de habitat florestado adequado para o uso.

Referências

1.

W. Beebe 1926. The three-toed sloth. Zoologica 7:11–67. Google Scholar

2.

A. G. Chiarello, D. J. Chivers, C. Bassi, M. A. Maciel, L. Moreira, and M. Bazzalo . 2004. A translocation experiment for the conservation of maned sloths, Bradypus torquatus (Xenarthra: Bradypodidae). Biol. Cons 118:4421–430. Google Scholar

3.

J. F. Eisenberg and K. H. Redford . 1999. Mammals of the Neotropics, Volume 3: The Central Neotropics: Ecuador, Peru, Bolivia, Brazil. The University of Chicago Press. Chicago. Google Scholar

4.

M. Goffart 1971. Function and Form in the Sloth. Pergamon Press. Oxford. Google Scholar

5.

P. Lara-Ruiz and A. G. Chiarello . 2005. Life history traits and sexual dimorphism of the Atlantic Forest maned sloth Bradypus torquatus (Xenarthra: Bradypodidae). J. Zool., Lond 267:63–73. Google Scholar

6.

H. L. Queiroz 1995. Preguiças e Guaribas, os Mamíferos Folívoros Arborícolas do Mamirauá. CNPq e Sociedade Civil Mamirauá. Brasília. Google Scholar

Notes

[1] Paula Lara-Ruiz, Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil, e-mail: <lararuiz@ufmg.br>

[2] Ana Carolina Srbek-Araujo, Rua Maria Rita, N. 194, Bairro Ipiranga, Belo Horizonte 31160-060, Minas Gerais, Brasil.

Paula Lara-Ruiz and Ana Carolina Srbek-Araujo "Comportamento Potencialmente Reprodutivo da Preguiça-comum, Bradypus variegatus (Xenarthra, Bradypodidae): Observações de Campo," Edentata 2006(7), 44-46, (1 May 2006). https://doi.org/10.1896/1413-4411.7.1.44
Published: 1 May 2006
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